Estudantes politizados de ontem e de hoje olham com desalento o movimento estudantil da atualidade, procurando os motivos de tamanha perda de consistência e representatividade, desde as jornadas gloriosas de 1968.
A partir de então, a maioria conclui, só houve picos de mobilização em algumas situações concretas, como as diretas-já e os protestos contra Collor. Em seguida, entretanto, voltou-se à apatia anterior, como se nada tivesse acontecido.
A dificuldade para avaliar essa trajetória aumenta em função da nostalgia com que os contemporâneos olham para trás e da visão romantizada que foi passada aos que vieram depois por produtos da indústria cultural como a minissérie "Anos Rebeldes". Então, vale a pena tentarmos discutir com mais profundidade o ontem e o hoje.
O final da década de 1960 marca a transição da sociedade rígida e patriarcal característica da fase da industrialização para o amoralismo da sociedade de consumo, em que tudo e todos devem estar disponíveis para o mercado.
Então, de certa forma, a contestação à autoridade de reitores, sacerdotes, "doutores" disso e daquilo, dos luminares da sociedade em geral, convinha ao próprio capitalismo, que estava passando da fase das grandes individualidades para a da "liderança participativa". O foco passaria a ser "o consumidor", o cidadão comum, em lugar do "grande homem", o expoente da elite.
Respirava-se anti-autoritarismo. As artes passavam por um momento de ousadias e experimentalismo no mundo inteiro, a imprensa se modernizava a olhos vistos, a liberalização de costumes e a liberação sexual entravam com força total.O movimento estudantil, estimulado pelos ventos de mudança, foi fundo na tarefa de "derrubar as prateleiras, as estátuas, as estantes, as vidraças" (como pediu Caetano Veloso em "É Proibido Proibir").
E, no hiato entre a etapa capitalista que terminava e a que ia começar, muitos jovens sonharam com algo maior: uma sociedade sem classes, em que não existisse a exploração do homem pelo homem e na qual a economia se voltasse para a satisfação das necessidades humanas em vez de ser regida pela ganância.
As três bandeiras principais do ME em 1968 foram:
* a rejeição do acordo firmado pelas autoridades educacionais brasileiras e estadunidenses (o Acordo MEC-Usaid), que, na avaliação das lideranças estudantis, levaria à tecnicização e privatização do ensino, colocando-o inteiramente a serviço das empresas;
* a exigência de participação dos estudantes na definição dos rumos do ensino universitário, por meio de comissões paritárias;
* a solidariedade aos movimentos contestatórios que aconteciam no Brasil e no mundo, com ênfase no repúdio à Guerra do Vietnã.Essa conjugação de fatores fez com que o ME fosse tão expressivo em 1968.
Mas, a repressão brutal desencadeada pela ditadura, principalmente após a assinatura do AI-5, inviabilizou a mudança maior que muitos pretendiam. Então, sobre a terra arrasada, o que brotou foi mesmo a sociedade de consumo.
A classe média, eufórica com o milagre brasileiro, tratou é de enriquecer. E a esquerda estava tão debilitada pela perda de seus melhores quadros que pouco pôde fazer contra a conjugação de boom econômico e terrorismo de estado.
O ME de 1968 foi, portanto, resultado de circunstâncias especiais e únicas. Não pode ser comparado com o de hoje, quando os jovens, ademais, têm de esforçar-se no limite de suas forças para começarem bem uma carreira, daí acabarem desinteressando-se por quase todo o resto.
No entanto, essa própria dificuldade insana que encontram para afirmar-se profissionalmente deveria levá-los a refletir sobre as distorções da sociedade atual. A competição canibalesca que aborta talentos e condena tanta gente a não desenvolver seu potencial é um dos horrores do capitalismo globalizado, em que há sempre mais postulantes do que vagas no mercado.
Talvez seja o momento dos estudantes se indagarem sobre a validade de se continuar nesse funil perverso, passando por cima dos despojos dos que tombarem no caminho.
Lembrando mais uma canção marcante dos festivais de MPB de outrora ("A Estrada e o Violeiro"), a alternativa é a postura altaneira que Sidney Miller pregou: "Se esse rumo assim foi feito,/ sem aprumo e sem destino,/ saio fora desse leito,/ desafio e desafino./ Mudo a sorte do meu canto,/ mudo o norte desta estrada,/ que, em meu povo, não há santo,/ não há força e não há forte,/ não há morte nem há nada/ que me faça sofrer tanto".
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28.2.07
ANOS REBELDES x DÉCADAS APÁTICAS
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2 comentários:
Como fruto da "juventude apática" encontro-me na obrigação de defender não só a mim, mas a todos que como eu tiveram a infelicidade de nascer, não por vontade própria,mas por força do destino, nessa geração aparentemente sem sonhos e sem ideais.
Nasci durante a última "grande" manifestação contestadora, a que derrubou Collor.Talvez esse seja o motivo pelo qual me encontro tão apática e descrente em mudanças socias.Por que? Simples, porque a sociedade não mudou lá grandes coisas.
Já me senti terrivelmente culpada pela pobreza e todos os males que aflingem a população mundial,por ter um pouco de "meu" e porque de certa forma várias pessoas me influenciaram a me sentir culpada por toda injustiça social do mundo.
Já sonhei com a sociedade marxista sem classes,mas logo vi que não seria eu quem faria essas mudanças,porque o sistema mostrou-se para mim mais efciente do que a oposição.
Reservo-me no direito de cidadã de nada fazer até que algum ideal pareça suficientemente bom e possível, sem utopias.
Porém ainda não conheci nenhum meio de mudar a sociedade e aprendi a não me sentir culpada por ter um pouco mais de instrução.
Aprendi que a minha hora de "fazer" ainda não chegou e esperarei por ela me informando,para quando chegar a hora eu poder derrubar qualquer ditador com argumentos incontestaveis e palavras.
Nas palavras se encontram a chave para mudar o mundo.
Creio que esse refluxo vivido pelo ME, em grande parte, advém da maneira "mágica" descoberta pela mídia para nos alienar, os sonhos de hoje é pelo prêmio 1.000.000,00 do Big Brother Brasil, por exemplo.
As condições sociais sufocantes em que nos encontramos de não podermos nem sequer "dispensar" nosso tempo de estudo para participarmos de uma assembléia, ou de reuniões do DCE, etc...
Aliado ao fato de encontrarmos atualmente no poder, grandes quadros do ME num passado recente - que foram considerados ícones - traindo sua ideologia e milhares de jovens que se espelhavam nesses individuos...
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