Celso Lungaretti (*)
A Operação Satiagraha está seguindo fielmente o script dos escândalos anteriores: tudo se sabe, pouco se prova, ninguém recebe o castigo que fez por merecer e o desfecho acabará sendo uma pizza.
O que houve foi uma operação revanchista de um setor da Polícia Federal que perdeu a luta interna pelo poder. A mão que mexia os cordéis era a do chefão anterior da PF, que hoje está na Abin e até colocou seus atuais subordinados para ajudarem, por baixo do pano.
Aparentemente, foi também estimulada pelo Luiz Gushiken (cacique do PT igualmente em maré baixa) e por interesses contrariados com a venda da Brasil Telecom para a Oi -- suspeitíssima, por sinal.
O delegado pau-mandado pisou feio na bola ao pedir a prisão de uma jornalista que apenas cumpriu seu dever de informar.
Além disto, fez um relatório opinativo e amadoresco, comprou brigas que não poderia sustentar (contra a revista Veja e contra o Planalto, ao tentar prender o Luiz Eduardo Greenhalgh), enfim, comportou-se como rinoceronte em loja de cristais: espalhou cacos para todo lado.
Servindo-se de um juiz destrambelhado que adora emitir mandados de prisão e brigar com a alçada superior, esse grupelho da PF ousou até tentar contornar um habeas-corpus do STF.
O Gilmar Mendes brecou, duas vezes. Estará mancomunado com a corrupção? Pode ser. Mas, o certo é que contra ele só há insinuações e conjeturas, não provas. E, juridicamente, ele tinha o direito de agir como agiu.
Extrapolou, entretanto, ao deitar falação contra o juizinho birrento. Deveria se manifestar apenas nos autos, como manda o figurino.
O ministro da Justiça, também pisando na bola, defendeu práticas heteredoxas mas, quando o presidente da República ordenou a retirada, engoliu um sapo gigantesco, reconciliando-se publicamente com o presidente do STF.
Lula, por sua vez, parece ter entrado em pânico quando as denúncias chegaram perto dele. Tentou abafar o caso de forma acintosa e grosseira, depois saiu batendo boca com um mero delegado. Foi pior a emenda do que o soneto.
A edição oficial da fita da reunião em que Protógenes amarelou parecia aqueles retoques de fotos históricas da era stalinista, de triste memória.
O delegado visivelmente cedeu às pressões e só recuperou um pouco a coragem depois da lambança do Lula, pedindo-lhe publicamente para reassumir o inquérito do qual o fizera removerem. Mas, entre a dignidade ultrajada e a carreira ameaçada, cuidou de salvar a segunda.
O juiz insubordinado saiu de férias, que ninguém é de ferro.
Enfim, foi um espetáculo dos mais constrangedores: disputa de poder, negociata em curso, autoritarismo redivivo, comportamentos covardes e mesquinhos, manipulação, o diabo.
A última coisa que alguém realmente queria era colocar na cadeia alguns dos gângsteres de um sistema QUE É, ESSENCIALMENTE, CRIMINOSO.
Enquanto o cidadão comum ignorar que Dantas, Pitta e Nahas não são a exceção, mas sim a regra, nesse pantanal em que se mesclam a economia e a política brasileiras, nada mudará.
O que sobrou da prisão do Maluf? O que sobrará da prisão dessas três últimas prisões? E da próxima prisão/show?
Espetáculos de execração pública só servem para fornecer catarse ao povo sofrido e deixar tudo como está. Temos visto um atrás do outro e nada realmente muda. É aquela velha história do boi de piranha: os poderosos permitem que alguns deles sofram desconfortos temporários, em nome da preservação dos seus interesses maiores.
Ao invés desses ridículos mafuás, o que queremos é um Brasil no qual inexista espaço na esfera do poder para os criminosos de colarinho branco delinquirem à vontade.
PALAVRA FINAL - Recebi as críticas mais delirantes de pessoas ditas de esquerda e tive até de sair de um grupo de discussão em que o debate civilizado cedeu lugar às calúnias e ofensas, apenas por ter afirmado, desde o início, que a preservação do instituto do habeas corpus era muito mais importante do que esse episódio patético e todos os seus protagonistas.
No entanto, o desenrolar dos acontecimentos acabou me dando razão. Quem defende princípios, ao invés de interesses e conveniências, quase sempre ri por último.
Eu busco soluções reais. Quando quiser me consolar com teatro, irei ao próprio teatro. Os atores são melhores.
Sou sobrevivente da luta contra o regime militar e aprendi uma lição: não existe ditadura boa. Então, cada vez que um governo brasileiro adotar práticas autoritárias, terá em mim um adversário convicto. Estado policial, nunca mais!
Defendo, irrestritamente, os direitos humanos, sejam dos pobres da periferia, sejam dos Dantas e Pittas. Na Itália se conseguiu colocar toda essa gente na cadeia sem infringirem-se as normas civilizadas. Por que não aqui?
Também não se trata de reverência ante o STF, mas de preservar-se a autoridade do Poder Judiciário. Se uma liminar do STF tiver menos peso do que a vontade de Polícia Federal, haverá uma invasão das atribuições da Justiça pelo Poder Executivo. Precedente perigosíssimo num país que passou 36 anos do século passado sob regimes de força.
É importantíssimo restabelecermos a aliança que houve durante a resistência à última ditadura, entre a esquerda e os defensores dos direitos humanos. Naquele momento, sim, a esquerda tinha uma agenda positiva, personificando a esperança em dias melhores. Agora defende algemas aqui e sequestradores seriais alhures.
Esforço-me para que surja no Brasil uma esquerda ética e humanista, em substituição àquela que se desvirtuou e enlameou. Daí minhas restrições às posturas tacanhas desses novos jacobinos que não têm a mais remota noção de quais eram as promessas originais do marxismo.
* Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
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22.7.08
MAIS UMA PIZZA PARA A LATA DE LIXO DA HISTÓRIA
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PARA REFLETIRMOS: COLUNA DO MELCHIADES FILHO NA "FOLHA DE S. PAULO" DE 23/07/2008
Polícia desmontada
BRASÍLIA - A Operação Satiagraha pilhou Daniel Dantas, atingiu a ante-sala de Lula, pôs em risco o maior negócio em gestação pelo governo no segundo mandato e identificou um esquema de leva-e-traz de divisas que remonta sabe-se lá a quando (e a quanto).
Mas, por enquanto, o golpe mais incisivo da Polícia Federal foi contra si própria.
Ao revelar que sonegou informações da chefia, que gravou conversas com os superiores para se proteger, que foi espionado por colegas e que achou melhor formar um grupo de apoio com gente da Abin, Protógenes Queiroz não só expôs de maneira inédita as divisões internas da corporação como arranhou a imagem "republicana" que o órgão construiu meticulosamente nos quatro anos iniciais de Lula.
Justa ou não, a mensagem do delegado foi clara: não se deve confiar no primeiro escalão da polícia.
PARA REFLETIRMOS: COLUNA DA ELIANE CANTANHÊDE NA "FOLHA DE S. PAULO" DE 24/07/2008
Erros e acertos
BRASÍLIA - Não foi nenhum acusado, advogado ou curioso quem disse que há "erros" no inquérito do delegado Protógenes Queiroz sobre o trio Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta. Foi, nada mais nada menos, o ministro da Justiça e chefe da PF, Tarso Genro.
Antes, os erros eram só de procedimento, a tal "espetacularização" de prender os suspeitos com câmeras de TV adentrando a casa alheia e com o uso de algemas de pobre em gente tão rica. Agora, passaram a ser de conteúdo: a fundamentação da prisão temporária (como Gilmar Mendes já dizia), a referência leviana a pessoas inocentes e os rasgos messiânicos injustificáveis em peças policiais (como apontou o repórter Ranier Bragon). Sem contar as ações escondidas da cúpula da PF e a aliança com a Abin.
PARA REFLETIRMOS: AFIRMAÇÕES DO MINISTRO DA JUSTIÇA TARSO GENRO DURANTE ATO PÚBLICO PROMOVIDO PELA OAB/RJ EM 24/07/2008:
"Não acho que um agente policial deva necessariamente sempre algemar. Ele deve medir com cautela a necessidade e dar garantia para que a custódia chegue de maneira adequada e respeitosa. O que não pode é um agente público expor, como foi feito nessa operação, pessoas que estão sendo custodiadas e algemadas. O ex-prefeito Pitta, por exemplo, foi filmado dentro de casa, de pijama. Aquele policial que vazou a informação [sobre a operação] e submeteu aquele cidadão a essa execração cometeu um exímio abuso de autoridade".
"Um dos elementos importantes do Manual de Conduta da PF, que nos causou um profundo desgosto, é a proibição da exibição pública das pessoas, a sua execração pública e a produção de punição antecipada. Isso não se justifica para ninguém e as pessoas foram expostas nessa operação, é evidente que a Polícia Federal vai investigar quem o fez, de uma maneira absolutamente incivilizada, não democrática".
PARA REFLETIRMOS: TENTATIVA DE INTIMIDAÇÃO DA IMPRENSA LEMBRA PERÍODO DA DITADURA MILITAR
"O relatório final do delegado Protógenes Queiroz mantém referência à jornalista Andréa Michael, da Folha, como 'integrante da organização criminosa' de Daniel Dantas. O delegado suprimiu a afirmação, que constava da versão anterior, de que Michael havia escrito uma reportagem "sob encomenda" de Dantas.
"Em 26 de abril, a Folha publicou reportagem de Michael intitulada "Dantas é alvo de outra investigação da PF". O texto antecipava, com exclusividade, detalhes da operação que seria deflagrada no dia 8 deste mês.
"No relatório final, Protógenes diz que a reportagem 'vazou informações, prejudicando sobremaneira a dinâmica' da operação. O delegado havia pedido a prisão da jornalista e busca e apreensão em sua casa, ambos negados pela Justiça.
"Quando teve acesso ao primeiro relatório de Protógenes, que embasou a Operação Satiagraha, o jornal divulgou o seguinte comunicado: 'A Folha de S.Paulo repele insinuações de que o comportamento da repórter Andréa Michael não tenha sido correto. A repórter apurou fatos de notório interesse público relatados em texto publicado pela Folha em abril passado, no qual se noticiava que a Polícia Federal preparava a operação desencadeada hoje. Cabe às autoridades competentes manter dados desse tipo em sigilo. Tentativas de envolver a profissional da Folha no inquérito só podem ser entendidas como esforço inútil de intimidar a equipe de reportagem do jornal e retaliar quem cumpriu com sua obrigação jornalística." (notícia publicada na edição de 25/07/2008 da "Folha de S. Paulo")
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