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2.2.10

ANÁLISE DE UMA CRÍTICA À ANISTIA INTERNACIONAL

Carlos Alberto Lungarzo
Anistia Internacional (USA)

Neste último domingo (31/01), o blogue Juntos Somos Fortes publicou texto de um articulista conhecido na esquerda latino-americana, Laerte Braga, no qual se refere em termos nada cordiais à Anistia Internacional (AI).

Quando li o artigo, entendi que o direito do autor a se expressar em quaisquer termos sobre nós fazia parte da liberdade de opinião que nossa organização tanto preza, e que talvez mesmo uma moderada e amigável crítica da matéria pudesse parecer patrulhamento.

Entretanto, lembrei que, nos dias anteriores, houve uma polêmica diversificada, incluindo várias pessoas, cujo eixo era a denuncia de que AI era uma arma do imperialismo, o golpismo e o sionismo, e que as pessoas que elogiam sua atividade (p. ex., Celso Lungaretti) seriam, no mínimo, “inocentes úteis”.

Decidi então fazer uma breve análise do estudo de Braga, tendo em conta que, depois que a AI do Brasil foi desativada em 2001, os que ainda pertencemos à organização no País (porém, em outras áreas) somos poucos e estamos obrigados a dar explicações. Eis o motivo, então, desta análise.

No §3, junto a algumas brincadeiras que não provocariam a aposentadoria de Woody Allen (p. ex., que “AI” pode querer dizer “Anistia Internacional”, mas também “Ato Institucional”), o autor diz que AI é fachada para encobrir “negócios” do império dos EUA.

Críticas como esta foram feitas muitas vezes, desde a que a ONG apareceu no começo dos anos 60, e ninguém nunca cobrou explicações por considerá-las demasiado absurdas, mas acredito que não se deva descartar uma opinião sem prévia análise.

Primeiramente, a relação de AI com Estados Unidos não é muito forte. Temos muitos membros, porque (como em meu caso), aqueles que ficaram em seu país sem uma seção de AI, ou que nunca tiveram uma, se tornam membros “internacionais” e escolhem especialmente os Estados Unidos por sua maior infra-estrutura.

Membros Internacionais são os que agem no país onde moram, mas dependem de uma seção externa, e portanto ficam reduzidos, como em meu caso, a membros quase independentes, que tomam iniciativas próprias, porém sempre de acordo com os princípios da organização.

A AI surgiu na Grã Bretanha e, apesar da subserviência do governo britânico em relação com Estados Unidos, existe, como todo o mundo sabe, uma grande repulsa dos intelectuais, ativistas e outras figuras do UK contra os norte-americanos, aos quais consideram rudimentares, fanáticos religiosos, incivilizados, etc.

Pode até ser verdade (eu não possuo informação nenhuma neste sentido, mesmo porque a AI tem um total de 2,43 milhões de membros) que alguns de nossos colegas recebam dinheiro do Pentágono, da Cia, do KKK, ou de qualquer outro agente imperialista, fascista, do crime organizado, etc.

Entretanto, é bem sabido que nossa organização, tanto o secretariado Central em Londres, como sua seção norte-americana, tem estado em permanente conflito com os governos dos Estados Unidos.

Já mencionei numa matéria anterior que, em 2004 e 2005, o governo Bush ficou furioso contra nossos relatórios sobre tortura. Aliás, nem mesmo com democratas como Clinton nossa relação foi pacífica. Como indicou Lungaretti com uma longa lista de críticas de AI ao presidente Obama, também temos graves diferenças com este governo.

Por sinal, me surpreende (porque é algo que acreditava não existir mais no mundo atual) o desprezo absoluto de nossos detratores por coisas tais como fontes bibliográficas, páginas de internet confiáveis, informações jornalísticas, etc. Parece que, para eles, tudo isso é lixo juntado pelo imperialismo.

Ainda mais curioso é que estes críticos entendam que devamos acreditar neles, cujas fontes nunca são indicadas, mas parecem nutrir-se em veículos tão sérios como as emissoras bolivarianas, os comunicados iranianos (aliás, quem lê farsi por aqui?) e os fatwa do Talibã.

Vejamos este caso: o autor desta matéria reconhece que AI condena a barbárie de Israel, e o depois acrescenta “e daí?”, incluindo uma comparação desvairada com Ermírio de Moraes: “O que isto quer dizer? Que AI ‘simula’ atacar Israel, assim como Moraes simula fazer obras altruístas, e que ela depreda o povo palestino como os capitalistas brasileiros depredam a ecologia brasileira e assassinam camponeses e índios”.

Sugiro ao autor uma reflexão de dois segundos. Como faríamos isso? Como tiramos proveito de Israel, e o que fazemos com nossos proventos? Onde estão as "baixas’" produzidas por nossa ação homicida?

Por acaso, alguém provou alguma vez uma conexão mínima entre o terrorismo de estado desse país e nossa organização? Por outro lado, talvez por falta de informação, ou por dificuldade para entendê-la, os debatedores nesta diatribe parecem não entender que DH, como qualquer outra coisa, podem ser deturpados e é necessário diferenciar bem entre os que deturpam e os que mantêm uma linha positiva.

P. ex., as secretarias e ministérios de DH, tal como aconteceu na Argentina o e no Brasil, são órgãos oficiais criados, justamente, para manter sob controle a indignação das vítimas das ditaduras.

O PNDH-3, embora deva ser apoiado porque não há nada melhor, já traz consigo uma estratégia que facilita as negociações, recuos e manobras para não "ofender’"os militares. Em poucos dias, passou-se de um projeto digno de um país como Holanda, a um recuo em todos os aspectos, para não desagradar aos antigos algozes, para não ofender a Igreja Católica, para não ferir a moral medieval pela qual nos guiamos, etc.

Na Argentina foi muito pior. A Secretaria de DH fundada em 1984 pelo presidente Alfonsín visava evitar que quase um 8% da população, cujos parentes tinham morrido na repressão, tomassem conta das investigações sobre DH e deflagrassem uma avalanche social de denúncias e investigações. A Secretaria de DH serviu como “amortecedor” ás exigências de justiça das vítimas da insanidade assassina dos fardados.

O aparelho estatal de DH argentino conseguiu atrasar a punição dos militares em nada menos que 21 anos: o inquérito começou em 1984, foi abortado em seguida com manobras jurídico-parlamentares e só retomado em 2005. Esse atraso nunca poderá descontar-se e os principais criminosos de guerra estão morrendo de velhos antes de poder prestar contas por suas atrocidades.

Entendo, obviamente, que haja muita farsa sobre os DH, como foi a campanha de Jimmy Carter, como são as de alguns dos órgãos internacionais, etc., como foram os planos de alguns dos PNDH anteriores (pelo menos parcialmente), mas não é possível atacar a todos da mesma maneira.

A AI tem, em todo o planeta, um único ponto negativo de grande porte (talvez haja outros menores que eu desconheço). Essa mácula surgiu no Brasil, não sei se por acaso ou porque o país oferecia melhores condições para isso.

Em 1985, Rodolfo Konder, uma pessoa com o perfil típico de militante de DH, fundou a seção Brasileira de AI, e começou a implementar os primeiros planos de proteção a esses Direitos que houve no país.

Se sua obra tivesse continuado, nestes 25 anos teríamos avançado significativamente. Mas, no Brasil a verdadeira lei é o lucro das empresas, e a AI, como qualquer outra instituição da região (privada ou pública) acabou dominada pelos abutres empresariais.

Konder foi perdendo controle e um grupo de empresário ganhou umas eleições muito obscuras. P. ex., embora eu estivesse rigorosamente em dia com todas minhas obrigações e fosse um membro histórico da AI (tinha fundado, junto com outras duas pessoas, a seção argentina em 1984), nunca me comunicaram a data das eleições.

As novas autoridades, formada por administradores de empresas e empresários (especialmente os da área de brinquedos, que, pelo forte apelo emocional das crianças, eram os mais próximos aos DH), transformaram a seção brasileira de AI numa ONG comercial, promovendo o merchandising de seus “patrocinadores”.

Isto nunca tinha acontecido. A AI de Londres agiu imediatamente, e deflagrou um processo para dissolver definitivamente essa seção. (Até hoje, não existe uma seção Brasileira de AI, e não pensamos em reativá-la. Talvez passem décadas ou séculos até que isso aconteça. O senhor Braga pode dormir tranqüilo: não haverá uma AI no Brasil.)

Se demorarmos tanto na dissolução de seção de SP, foi por causa da famosa “justiça de colarinho branco”. Os que se tinham apoderado da seção, entraram com dúzias de recursos na justiça, que obviamente apoiou a parte mais influente e a menos ética.

Só foi possível a dissolução total da seção BR de AI em 2001, apesar de ser um direito líquido e certo dissolver qualquer agência que esteja atuando contra sua matriz, em qualquer lugar do mundo.

Ora, instituições são grupos de pessoas, e só podem ser “culpadas” quando as pessoas que estabelecem suas políticas (seus “líderes”) o são. Não pode culpar-se uma ONG, nem um governo, nem uma empresa, por ter alguns membros corruptos, mas apenas quando compactua com tais corruptos. E isto não aconteceu: a AI de Londres dissolveu a seção brasileira e proibiu o uso de seu nome. A demora foi por culpa da cumplicidade judicial com os corruptos.

Voltando ao golpismo da AI. Dizer que não se pode matar na rua a pessoas que protestam não é golpismo. A AI nunca disse nem sugeriu que o governo venezuelano tenha ordenado à polícia que executasse o massacre. Apenas instou o governo a fazer uma investigação (o que, obviamente, é responsabilidade do poder público).

Para terminar. Esta campanha contra os DH não me surpreende, pois vi coisas piores na Argentina durante minha juventude (sou da mesma geração que a maioria dos contendores neste espaço). Num grau muito maior (tanto em intensidade como em quantidade de pessoas), o esquema é o mesmo que vemos agora no Brasil.

Antes do lulismo e do chavismo, já existiu na Argentina o peronismo, que foi muito mais “atuante”. No começo dos 70, quando Perón voltou à Argentina, pessoas desiludidas da esquerda e jovens impacientes que queriam a revolução imediata, passaram a integrar algo parecido ao que hoje seria o bolivarianismo.

O grande inimigo era o imperialismo; e o grande objetivo, o “socialismo nacional”. Democracia era coisa estrangeira e direitos humanos (como dizia uma canção dos montoneros) não passavam de “frescura de veados e maconheiros”.

Da AI ninguém falava. A idéia de criar comissões nacionais de DH foi resistida, inclusive a tiros... enfim, uma história para ser esquecida.

Detesto os chavões, mas Marx parece ter razão. O bolivarianismo repete, como comédia, o que o peronismo já representou como tragédia.

Um comentário:

Laurene disse...

Essa crítica rebate Laerte e reitera, no final, o tipo de crítica que ele acusa a AI de fazer ao Chávez!

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